03 maio 2009

Crônicas: Rosa Branca


Capítulo UmPlínio M.R (parte I)

Nem mesmo ele sabia por que estava pacífico naquela ocasião.

Na hora exata do suicídio tudo é sempre muito calmo, sempre muito silencioso, como se o mundo inteiro parasse para ansiar pelo teu fim, e isso se torna mais um incentivo para Lá se ir. Na expectativa de rastear um bando de causas de teus pés, muito de tudo passa a contrair em ti, ou a ti, o ar passa a te sufocar, sentes obeso com montanhas de areia seca que engoliste por há tempo, dor que se quer um vinho barato pode cauterizar, tornar-te um incenso, um ingênuo. Por hiatos, alguns arrependimentos vêm te ser amparo, ampara, mas logo após voltas a ser aquele fracasso que enjoa até mais que fragrâncias de meretriz. Em hora ao suicídio, todos os teus sentidos aguçam de tal forma que te agonizam, é uma mistura de sentimentos sísmicos em teu peito, gritas tanto que te enganas às vezes por cogitar que estás num pesadelo que não te há voz, movimento, torna-te inerte a qualquer ação que procura por qualquer reação, te sentes insuficiente, inútil, incapaz e impotente, na esperança de poder acordar suado numa cama e voltar a ser vivo. Não há como descrever em milhares de parágrafos como é o mínimo do trisco da morte.

Plínio vogava por esse mar de intuitos e prolongava ao fundo, e como tudo que havia por dentro dele estava ferido, o contato com este mar doía, o sal arrancava a casca das feridas que quase conseguiram cicatrizar com o tempo. E tudo continuava incisando, machucando.

A mesa de jantar e suas cadeiras, a pia limpa e fresca, a porta para o banheiro, o armário lotado de temperos, a geladeira e o fogão, todos muito soturnos e hipotérmicos, foram os únicos a presenciar o último instante do debater do corpo de Plínio, depois, os lentos vais e vens do seu corpo franzino, chiavam por uma corda presa na perna-manca do teto nu.

Não era de se esperar tais coisas de Plínio, porém, ele era aquele tipo de homem que nunca se podia ter suposições, nada era o que ele fazia e era previsto. E talvez por essa razão, a notícia de seu suicídio foi tão surreal, porque ele não demonstrava suspeita de depressão, se quer um sintoma que a indicasse. Sempre sorrindo e alegre, Plínio demonstrava felicidade e era o intuito de muitos para a diversão. Sempre rodeado de amigos e de garotas, boa reputação na faculdade de direito e financeiramente sustentável, além do que ganhava de seu pai, ele também tinha lucro trabalhando como auxiliar administrativo numa pequena empresa, e até nela era muito querido por todos, morava em seu próprio apartamento e mantinha um compromisso de quase um ano.

Naquele dia, o do seu suicídio, todos queriam mais do que Plínio queria a morte, saber qual foi o motivo de sua atitude, perguntavam por carta de despedida, por mensagens deixadas em emails ou por alguém que soubesse de algo sobre o incidente. Nada, para todos que faziam a mesma pergunta havia um que também fazia o mesmo questionamento, até mesmo os pais de Plínio, que era filho único, estavam dentre estes carentes de respostas. Foi então que apelaram para a única pessoa que mais convivia com Plínio, a quem ele confiava a vida e etc.

Gabriela acoplou a chave na fechadura da porta do apartamento de Plínio, segurando desastradamente todo o embrulho e sacola da padaria por onde passou – neste dia havia marcado com ele para tomar café juntos. Chamou três vezes por Plínio até que desistiu, e foi deixando os pães, bolos, doces na mesa de centro da sala e passeou até a cozinha para esquentar a água do café: Gabriela adormeceu ao ver o Plínio pendurado numa corda, frio, calmo, carente e morto.
Não há nada que explique e convença o que aconteceu com Plínio. Apesar de entender a tristeza de todos, Gabriela preferiu guardar para si o que lhe foi deixado, não mostrou para ninguém, pois leu e entendeu bem as letras em vermelho-negrito no envelope da carta: “APENAS PARA GABRIELA”. Ela só sabia que fazia parte dos motivos. Isso a fazia impotente, e chorava por culpa, “não pude fazer nada para evitar isso!”...

Uma pergunta central: por que Plínio se matou?


Continua.

3 comentários:

  1. Lembrei de versos do Fernando Pessoa: "O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.
    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem.."

    Ótima crônica, adoro me surpreender e ficar na dúvida se se trata de um alter-ego do escritor, ou mero personagem... E a pergunta central dá todo o sentido para o restante da história...
    E outra, começar um capítulo com uma cena bem narrada de suicídio é no mínimo genial.
    Parabéns!

    E outra: muito obrigada pelos elogios e por ler minhas histórias. Conhecendo seu talento, ao receber seus elogios, me sinto lisonjeada.
    E adorei "conhecer" vc e suas letras aqui na net!

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  2. Gostei do blog, gostei do slogan ..
    muito bom
    [ http://oldsempreseranovo.blogspot.com/ ]

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